há um jardim qualquer
em qualquer
canto
onde uma flor qualquer
brotou
de qualquer
cor
de qualquer forma:flor
e eu a oferto
a quem souber cuidar
no solo raso dos dias iguais
invento cores

cultivo

flores ásperas:- imperfeitas
e desiguais
no meu jardim azul há sóis
em pencas

e no meu céu de terra
rosas em chamas

(acendo uma rosa e aspiro
o perfume do sol)
que gosto tem o verso e que
textura?

só sei da cor : vermelha
do coração na boca : da alma

na palma da mão
escarpas

onde crescem
begônias

intocáveis
plenas

inacessíveis

(meus olhos
vagos

as recriam)

no vaso
sobre a mesa

cultivo:-

begônias
inventadas
ando em busca
de véus:- que nos desnudem
e de vestidos
que nos despojem
ando em busca
de panos etéreos
que nos revelem:-textura
de vento e flor
nada, havia no caminho
rodeado de nadas
— sertão

surgiu a flor
mas de que serve
a flor
no vale rude
onde
a chuva
não
chega
e o vento
se nega a soprar?
o vento
so
pra da minha mão
a folha de papel
o vento

veio me dizer
que ninguém está
o vento — invisível presença
a soprar canções
de florestas e ninhos
seivas e gravetos
mensageiro
de aconchegos
abismos e relentos
rizomas : céu azul : vertigens
agora vazios
os campos de algodão
depois do vento
silencioso e raso passa o rio
não posso ouvi-lo
pressinto
a canção das águas
que se despedem das nascentes
e seguem — ávidas
de lua e mar
olhos antigos queimam
hipotéticas chamas
dilatadas pupilas
branca-flor
perdida
hera que não ousou
ir além — e o muro
nem era assim tão alto
caligráfica ilusão — grafite
urbanas
heras
território de aventura
onde
o muro
é apenas suporte
não-fronteira do absurdo
no imenso jardim povoado de verdes
uma só

flor

que de tão só — vermelha
destoa
miúda e vermelha pende
pro lado em que o vento

flor

queria sol
e um céu pequeno sobre minha cabeça
. . . . . . .trilha possível
um chão sereno sob meus pés descalços
flores à margem nem precisava
. . . . . . . . . . ..eu as recriaria
do que não somos
dizem
brotam flores
única e trágica
espécie
a florescer
hoje no meu jardim
hoje nada me move - sou pedra
perdidos
   olhos
  no vazio
que cresce em minha face feito
                         musgo    
flor amarela no vão das pedras
suaviza o cinza
sempre tão ríspido

(e a pedra)
o não lugar:- onde habita
a não

vida

e o não sonhar:- morada
de tantos
no velho tronco
o que parece ser flor - é fungo triste

lágrima antiga
de árvore que chora - por se saber só
imensa - a árvore - me fez voltar
à infância
flores - o que meus olhos viam
eu desejava os frutos
as mãos se aventuravam na vertical
vertigem  
dos galhos altos 
eu desejava o vento
árvore antiga
      não quer saber do tempo
nem dos setembros
     
rompendo asperezas
explode em flores

o banco de madeira apodrecida
mais velho que a casa
já tão velha
viu brotar: a árvore
viu crescer: a árvore
(agora já tão velha) que viu
o primeiro balanço
cujas cordas já se romperam
há tanto tempo
no meu quintal
um girassol
um só
e ele gira
gira
em busca
do sol
é único
mas não é só
o sol lhe basta
(... é sina)
pequena, minha aldeia
nela cabe uma casa
com quintal
onde mora um cão
e crescem flores
nas frestas
que se abrem ao sol  
meu canteiro
onde pássaros pousam
e caracóis azuis rastejam
(...uma festa)
o velho vaso de flor sobre a mesa
porque o vejo
é belo

        se não houver quem o veja
 o belo vaso de flor sobre a mesa
                           é nada
é tanto mato
que meus olhos escuros enverdeceram
meu coração é ninho
asas
que te quero
céu
um tom vermelho
na pele clara da manhã:- outra vez
verão
rastro no céu de azul turquesa
: a vida
hoje é caminho de pedra : rara
sol imenso lá fora
é dia:- hoje não faço poesia
vivo o dia de sol
tenho pousado meu coração
sob o leito
do rio
ouço bater o coração
da terra
tambores
fazem vibrar meu coração
um pote
de barro
repleto:- de palavras e ritos
de que me vale o verso feito
de barro
se não houver
quem
o sopre
pequeno meu horizonte
tão limitado
uma fresta
mas nele cabe
o sol
que aquece
e tinge — de vermelho
a terra inteira
quando chove - desejo de não
      chover
e quando faz sol - brilha
desejo 
de chuva
a vida - parece mesmo ser
        uma questão de tempo
pássaros pousam
nos cabelos da manhã:- se fizer sol
quando faz chuva, os caracóis do dia
viram ninhos
onde se guardam cantos
e promessas de vôo:- pra quando
parar de chover
privilégio acordar
entre tons de azul e verde
     
face vermelha do sol
                que sonhei
ave de rapina mergulha:- em busca
do peixe

: depois do grito

imagem:- refletida no espelho
d’água
ser da montanha:- o sol nas asas
a vida no bico

: retorna ao ninho

natureza sorri
e o peixe:- cumpre seu destino
faz sol — ainda é cedo
amanhã ninguém sabe

a manhã

(flor que será pisada
assim que brotar)

e a tarde — quem sabe?
a tarde seca:- um céu de cerejeiras
primeira

estrela

e as pedras sonham:- com asas
que não têm
a tarde dourada no campo de centeio
não diz das chuvas  
diz do sol
embora quase noite
diz do pão
embora as mãos vazias
diz de nós – na janela do dia
que já passou
tarde sem sol
      pássaro
no ninho
por não ter asas - flor
de esperar  
espera
terra exaurida
cansada (... entregue) oferta
sua última flor
sangram os velhos muros:- bolores
e trincas
(feridas abertas pelo tempo)
nas descalçadas
me vejo
menina
desenhando céus
com risca
de giz
na minha amarelinha sem infernos
que a primeira chuva forte
apagaria
há sol
o pássaro
no entanto pressente
que no final do dia vem
mais chuva
frágeis como a flor que se atira
no abismo
rompem-se os ovos
e o passarinho que cantava sol
agora
canta eternidades
o sempre o nunca a ave
de rapina

as penas
fin i tude:et ernidade
bando
de pássaros brancos
em vôos rasantes
pequeno céu muitas asas
palavras são:- penas
sopro
o pássaro:- com seus olhos de céu
me olha

buscando em mim:- as asas
que já não tenho
na noite seca
brilho de estrela única
no céu de tantas (possíveis e prováveis)
umedecem meus olhos:-
par ti lha da dor
os olhos da noite estão
vermelhos
cabelos embaraçados
a pele fria
a noite
é uma velha senhora
que caminha descalça
sobre folhas secas
(na ilusão do silêncio)
então me torno:- guardadora de lua
na janela

da insônia

pastora de estrelas
no curral

do céu
velho jardim de árvores velhas
onde estão
--------vermelhas
as flores?
o que vejo são folhas secas
--..-------.--ásperos troncos
raízes expostas
faço versos á beira do abismo
vento a mais me leva
vento ameno me sopra histórias
vindas do precipício
mormaço me traz de volta
ao meu silêncio
sem asas
tronco
retorcido em securas
restam
folhas miúdas
num cacho
único
flores rosas
pendem
e denunciam:- a vida
resiste
tem as mãos calejadas
plantou
sementes
tinha os olhos verdes
das esperas
a chuva
não veio
o não mais esperar
agora
arranha
os seus olhos de terra
quero estar só — me deixem
como aquela amora temporã

no galho

mais alto
olhos de mar os olhos do poema
      nem sempre
  calmos
quando convulsos bramem
o verso puro:-  tsunami
serpentes de barro — rios de silêncio
ouve-se da vida um uivo

lobos se esquivam

abutres sobrevoam — enquanto
cordeiros expiam
voraz
o rio
é bicho
desencantada serpente
a sibilar:- vem
a caixa miúda a vida pequena
o verso raro
hoje tudo é pouco e o rio é raso
já não canta
se arrasta em ruídos
num fio
que se esquiva das pedras
do fundo
quase seco
por que flor me tomas?
sou semente - que árvore teria sido
se tivesse chovido?
do bem, do mal : urgem as flores
dos olhos aquáticos

e das mãos de terra dos meninos
      preparados canteiros
 
tempo de chuva agora
depois - o sol 

   (as flores virão)
céu azul:- vermelha árvore
asfalto cinzento
hoje:- tudo que sinto
e penso
são coisas
e cores:- como se a alma
se alojasse nos olhos
há estrelas no céu e vagalumes
no campo:- em frente
à casa onde moro
não posso vê-los
(a luz da cidade me cega)
quando vier
o grande temporal
e as luzes se apagarem
noite plena:- onde tudo brilha
maçãs repousam dentro de nós
(e o rubro tom na vidraça)
     e de repente
a paz — das águas do lago
mergulha em mim
    inteira
mergulhar no cerne do sentir
investigar a fundo

o fundo
dos mares de nós — abismos
flutuar
na pele fina de algum rio
ainda

claro — (se houver)
tramar impossíveis resgates
urdir

velas brancas vento e sol

— chegar
sorver
      das águas claras
numa manhã de sol — nascente
sentir
que a vida ainda pode
       ser
o meu colar de conchas secas
é tudo que sei

dos mergulhos:- que não dei
inverno ainda
noite seca : lua cheia : queria chuva
primavera dia : e o sol
depois
pássaro branco passa por mim
voando:- em linha reta
rumo
à cadeia de montanhas
e cruza
a imaginária linha
que delimita verdes e azuis

(já não posso vê-lo)
lágrima é chuva
nos olhos da menina
que sonhava sol
     
sabe do tempo agora
    que a vida é temporal
mantenho ainda
pendurada na parede
a lamparina azul
onde acendi / menina
minha primeira
fantasia
branco, o meu papel
vive à espera do traço

que o defina
mas não o preencha

(assimétrico espaço)
há muito deixei de contar
os livros que li / vaidades
prefiro contar estrelas
passarinhos no fio
voares
lírios e pedras roladas
na beira do rio / delírios
rajadas de vento
amoras

canto
      a vida miúda que me cerca
tudo mais são olhares outros
     tantos
    que não os meus
parto do princípio
que partir é o principio
e chegar é recomeço

— não fim
etérea a ponte que atravesso
um passo

entre o papel em branco
e o verso

um risco: - na ponta do lápis
vermelha
a flor
já não é
única
são muitas
e entre
verdes
exuberam
assim então, dentro de mim
nasce um poema
enquanto outro morre
moto perpétuo
roda d’água
que move a lâmina
que faz serrar a pedra (bruta)
e faz brotar a flor
espero
ainda
ver
da tua
mão
brotar
a flor
peço silêncio
há uma flor:- se abrindo
no jardim